Sair para passar um fim-de-semana fora da zona de residência, conforto ou qualquer outro nome que lhe queiramos dar é sempre um desafio. Para um intolerante à lactose, não é fácil tirar os olhos dos rótulos dos produtos que consumimos diariamente – não vá a lista de ingredientes ter sido alterada sem aviso – quanto mais confiar num estranho garçon que afirma, sem expressar o mínimo de confiança, que o prato escolhido não terá qualquer tipo de alimento com lactose. Mais desafiante se torna a experiência quando decidimos passar o fim de semana num país do qual nem sequer damos uns toques na língua local. Belíssima ideia para qualquer intolerante à lactose!
Na minha vida pessoal, sempre fui um pouco desorganizada e, por vezes, preguiçosa. Era raro o dia que não pensasse “amanhã trato disto” ou “depois resolvo”, relativamente às mais variadas tarefas. Vivia no limite! O mesmo se aplicava à organização das minhas próprias viagens de lazer. Todos conhecemos a expressão “em casa de ferreiro, espeto de pau”. Pois é, no meu caso, era “agente de viagens, serviços mínimos contratados”. Não fazia qualquer tipo de reserva para além do avião e alojamento e, em termos de refeições, o pensamento era sempre “na pior das hipóteses, deve haver um restaurante de fast food perto”. Qualquer pizza, sandes, hambúrguer cheio de molhos resolvia a situação. Comia o que fosse, onde fosse, à hora que fosse, sem qualquer problema e, por isso, nunca senti a necessidade de levar aquele lanchinho básico para comer a meio da manhã.
Até que, anos mais tarde, ouço o meu nome no altifalante da sala de espera do hospital, arrasto o carrinho do soro até ao gabinete 5 e surpresa: sou intolerante à lactose! E toda esta liberdade que tinha quando ia de férias ou fim-de-semana vai pelo cano abaixo (literalmente). O modus operandi “não se passa nada, depois resolves” foi arquivado e, consequentemente, criado um processo de seu nome: “Deixa que a ansiedade resolve!”.
Como gosto bastante da sensação de viajar e não pretendo deixar de a sentir por ter uma restrição alimentar, criei métodos para tornar a convivência das duas possível. Comecei a sentir a necessidade de controlar tudo e planear as minhas viagens ao pormenor (como faço no meu trabalho), por mais curta que seja a estadia fora de casa, de forma a sentir-me mais segura e relaxada, antes e durante a viagem.
Uns dias antes da viagem – sim, a pessoa agora faz as coisas com antecedência, mas também não abusa – faço um itinerário com as visitas que tenciono fazer ao longo de cada dia. Com a ajuda do primo Google Maps, traço o percurso e faço uma estimativa de duração das visitas, de forma a prever onde vou estar nos horários em que a fome aperta, para analisar as opções de restauração na zona. Faço também uma pesquisa do prato ou doce típico local e, através do Instagram, tento perceber em que cafés / restaurantes / pastelarias consigo prová-los sem correr riscos de ingerir lactose. E se há coisa que não falha na minha mala é o meu mini-kit de sobrevivência. Composto por snacks variados, sandes para as primeiras refeições fora de casa, medicação e chás – sem lactose, naturalmente – este kit, em conjunto com o planeamento e pesquisa das opções de restauração local, funciona como um paraquedas na altura de saltar do avião. Faz-me sentir segura, pois tenho comigo tudo o que preciso para o caso de algo correr fora do previsto.
Atualmente, e porque de vez em quando ainda sou alvo de alguns atentados à minha flora intestinal, sinto aquele nervosismo na altura de pedir refeições, apesar de explicar a quem está a apontar o pedido que sou intolerante e não posso comer nada que contenha leite, natas, queijo ou manteiga. E, mesmo de férias, o subconsciente está sempre em modo alerta: “será que o bife tem manteiga?”. Por vezes, fatores como não falar fluentemente a língua local ou ser atendido por alguém que não tenha sensibilidade para a questão torna a adaptação a uma restrição alimentar um pouco atribulada. Mas nunca impossível!
Há dois anos a conviver com uma intolerância à lactose consciente e controlada, considero que a melhor forma de lidar com esta restrição alimentar em viagem é arranjar soluções para nos sentirmos seguros quando não controlamos a confeção das nossas refeições: comprar frutos oleaginosos, trazer fruta do pequeno-almoço para os lanches, utilizar o nosso amigo Google tradutor para explicar as condicionantes da intolerância à lactose, ver referências de restaurantes com alternativas para intolerantes nas diversas plataformas online e ter sempre connosco os produtos que ajudam a controlar os sintomas, em caso de ingestão de lactose…E claro, nunca deixar de viajar!
