Para que a lactose seja corretamente digerida, é essencial que o nosso organismo – mais precisamente, o intestino – tenha capacidade para produzir lactase. Esta é a enzima responsável pela divisão da molécula de lactose nas duas moléculas menores que a compõem: a glicose e a galactose.1
Como funciona a digestão da lactose?
A atividade de lactase começa a ser detetada na mucosa intestinal logo no período embrionário. Entre a 8.ª e a 34.ª semanas de gestação, esta atividade vai aumentando, atingindo o seu pico após o nascimento, com a primeira exposição do bebé ao leite materno.2 Sendo o leite o único alimento que os seres humanos ingerem nos primeiros meses de vida, a capacidade de digerir a lactose é essencial durante o período de amamentação.3 Na maioria dos humanos, esta capacidade começa a perder-se logo após o desmame.2
Para que a lactose seja corretamente absorvida pelo intestino delgado, é necessário que ela seja hidrolisada, isto é, decomposta nos dois tipos de açúcar que a constituem: a glicose e a galactose.2,4 De seguida, estes açúcares simples são absorvidos pela parede intestinal e entram na corrente sanguínea.5
Em caso de intolerância à lactose, quando ingerimos uma quantidade de lactose maior do que aquela que o nosso organismo é capaz de decompor, isto é, consegue tolerar, esta não é totalmente digerida.6 Neste caso, a lactose não digerida mobiliza líquido para o intestino delgado, o que provoca diarreia líquida. De seguida, no intestino grosso, a lactose é fermentada, produzindo os gases causadores de flatulência e de dor e distensão abdominais.5 Geralmente, os sintomas da intolerância à lactose manifestam-se quando a atividade de lactase é inferior a 50%.3
Importância da lactose
A lactose é especialmente importante para o processo de crescimento das crianças, principalmente nos primeiros meses de vida. Além de ser uma das principais fontes de energia presentes no leite materno, constituindo 40% do aporte energético diário total dos bebés amamentados7, é a lactose que fornece a glicose e a galactose, que são essenciais para a formação de várias macromoléculas.2 Estes fatores ajudam a explicar o porquê de a Organização Mundial da Saúde recomendar o leite materno como alimento exclusivo, até aos 6 meses de idade.8
A ingestão regular de lactose é ainda benéfica para o próprio processo de digestão. Ingerir alimentos com lactose poderá ter um efeito positivo em adultos com baixa atividade de lactase e em bebés prematuros7 (que, por não completarem o seu desenvolvimento intrauterino, podem nascer com uma atividade de lactase inferior ao normal9,10). Esta ingestão pode ajudar a flora intestinal a adaptar-se ao consumo de lactose, induzindo alguma tolerância e, consequentemente, diminuindo os sintomas da intolerância.3,7
Também a absorção de minerais essenciais para o crescimento – como o cálcio e o magnésio – pode ser beneficiada pela ingestão de lactose. Em condições normais, a absorção de cálcio pelo intestino grosso é muito reduzida. Todavia, há estudos que afirmam que a fermentação da lactose tem um efeito positivo na absorção de cálcio ao nível do intestino grosso. Defendem que, durante o processo de fermentação da lactose, o meio torna-se mais ácido, o que favorece a absorção de minerais como o cálcio.7 São, porém, necessários mais estudos que comprovem esta evidência.
Referências
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