O nosso intestino é a casa de uma das maiores populações de microrganismos que temos no nosso corpo, sendo esta chamada de microbiota intestinal.1,2 Se, até há algum tempo, o nosso sistema digestivo era considerado um mecanismo relativamente simples, hoje em dia já não é bem assim, uma vez que se sabe que a saúde do intestino tem impacto direto em muitas outras áreas da nossa saúde e bem-estar.2
Na verdade, é fácil perceber a importância que o intestino tem se pensarmos que, ao longo da nossa vida, passam pelo nosso sistema digestivo cerca de 60 toneladas de alimentos, o que significa que este é o ponto de contacto principal entre o corpo humano e os microrganismos que vêm do ambiente exterior e que podem constituir uma ameaça à nossa saúde.3
Assim, a microbiota intestinal desempenha múltiplas funções no nosso organismo, pelo que mantê-la saudável é fundamental para beneficiar de um bom estado geral de saúde.3 Caso contrário, ou seja, quando os nossos intestinos estão pouco saudáveis, poderemos sofrer consequências4…por exemplo, distúrbios intestinais poderão até provocar uma intolerância à lactose temporária.5
Vejamos, então, quais os benefícios que um intestino saudável nos oferece e como é que nos podemos tornar intolerantes à lactose devido a perturbações intestinais.
5 áreas surpreendentes em que a saúde intestinal tem impacto
A combinação entre uma dieta saudável (rica em fibras) e a adoção de um estilo de vida ativo é a receita perfeita para manter o nosso intestino saudável.1 Eis algumas áreas em que talvez nunca tenham pensado que o intestino intervém.
1. Digestão
Sabiam que nem todas as componentes dos alimentos que ingerimos são digeríveis pelo corpo humano? É o caso das fibras, por exemplo. Assim, para que estas sejam corretamente digeridas, é necessária a ação das bactérias do intestino.1, São também estas bactérias (nomeadamente algumas espécies) que permitem que os bebés digiram corretamente o leite materno.6
2. Regulação da imunidade
As bactérias presentes no intestino são também muito importantes para comunicar ao nosso sistema digestivo quais são os agentes dos quais ele se deve defender e quais, pelo contrário, não deve atacar, por serem seguros. De facto, a microbiota intestinal é responsável por defender o nosso corpo de microorganismos perigosos e por decompor componentes tóxicas.1
3. Prevenção de doenças
O estudo da microbiota intestinal de pessoas com doenças como doença inflamatória intestinal/ síndrome do intestino irritável, artrite psoriática, diabetes tipo 1 e tipo 2, doença celíaca, entre outras, demonstrou que, comparativamente com indivíduos saudáveis, estas pessoas apresentavam uma menor diversidade de espécies na sua microbiota. Assim, acredita-se que um intestino rico em espécies de microrganismos diversificados é mais saudável e, consequentemente, mais resistente a influências externas, isto é, que potencialmente causam doenças.7
4. Regulação do peso
O peso corporal é outro indicador que tende a sofrer quando a saúde da microbiota intestinal não está no seu melhor… quando o intestino contém demasiados microrganismos prejudiciais, resultando no desequilíbrio da microbiota intestinal, este poderá contribuir para o aumento do peso.6
5. Saúde mental
Hoje em dia, considera-se que o intestino é o nosso segundo cérebro. Esta crença é justificada não só pelo envolvimento do cérebro no processo de digestão, mas também pelas relações observadas entre a saúde da microbiota intestinal e a presença de doenças mentais.8 A verdade é que as bactérias intestinais produzem substâncias químicas que permitem a comunicação entre os neurónios (neurotransmissores), afetando, dessa forma, o nosso humor e o nosso comportamento.9
Relação entre saúde do intestino e intolerância à lactose
Entre os três tipos de intolerância à lactose, apenas um deles é reversível: o défice secundário de lactase. Neste caso, a diminuição da produção de enzima lactase pelo intestino delgado é, geralmente, causada por distúrbios intestinais que danificam o revestimento deste órgão.5,10 Entre as possíveis causas que podem levar a esta situação encontramos, entre outras10,11,12:
- gastroenterites;
- quadros graves de diarreia;
- doença celíaca;
- doença de Crohn;
- má-nutrição, decorrente de distúrbios alimentares como anorexia ou bulimia;
- síndrome do intestino curto;
- síndrome do intestino irritável;
- toma de alguns antibióticos.
Após a recuperação dos distúrbios que estão a limitar a atividade de lactase, geralmente é possível voltar a ingerir lactose sem manifestar sintomas de intolerância.5 Porém, esta recuperação não é imediata, podendo levar alguns meses, já que a lactase é a última enzima a retomar a sua atividade normal, após distúrbios que afetem o intestino.12
Referências:
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