Quando o nosso organismo perde, totalmente ou em parte, a capacidade de produzir lactase, a enzima responsável pela digestão da lactose presente nos alimentos, o nosso corpo começa a manifestar sintomas de intolerância à lactose.1 Embora os sintomas sejam os mesmos – sendo os mais comuns dor e distensão abdominal, ruídos intestinais, flatulência e diarreia2,3 – existem diferentes tipos de intolerância à lactose.
Os dois tipos de intolerância mais comuns são, então, o défice primário de lactase – também chamado de Lactase Não-Persistente (LNP) – e o défice secundário de lactase (ou Hipolactasia).3 A grande diferença entre os dois tipos está na reversibilidade: enquanto a intolerância primária é uma condição permanente, a intolerância secundária pode ser reversível. Vejamos as diferenças.
Défice primário de lactase
A maior parte dos bebés nasce com capacidade total para digerir a lactose2, abundante no leite materno.4 Contudo, essa capacidade vai diminuindo à medida que crescemos, surgindo dois grupos de indivíduos: aqueles que mantêm a atividade de lactase, continuando a tolerar a ingestão de leite e derivados, e aqueles que perdem a capacidade de digerir a lactose, tornando-se intolerantes.2
É na adolescência e no início da idade adulta que, geralmente, os sintomas da intolerância começam a surgir, de forma progressiva.5 Todavia, estes não se manifestam com a mesma severidade em todas as pessoas intolerantes, já que cada indivíduo tolera diferentes quantidades de lactose. Está cientificamente provado que a maior parte das pessoas com intolerância consegue digerir 12 gramas de lactose numa só ingestão, sem manifestar sintomas ou manifestando sintomas mínimos.6 Além deste fator fisiológico, esta reação é também determinada por fatores relacionados com o consumo, como o tipo de produto lácteo ingerido e o seu consumo em simultâneo ou não com outros alimentos.3
Sendo geneticamente determinado, este tipo de intolerância é irreversível, já que não é possível o indivíduo recuperar a capacidade de produção da enzima lactase.3 O défice primário de lactase pode ser considerado a “doença genética” mais comum do mundo, sendo, na verdade, o estado normal de cerca de 70% da população adulta mundial.1,7 A melhor solução será adequar a dieta à quantidade de lactose tolerada por cada organismo.3,6
Défice secundário de lactase
O défice secundário de lactase está necessariamente relacionado com algum outro distúrbio da mucosa intestinal3, como:
- gastroenterites (de vários tipos);
- doença celíaca;
- doença de Chron;
- má nutrição (causada por diarreia prolongada, anorexia ou bulimia);
- síndrome do intestino curto;
- síndrome do intestino irritável;
- síndrome de supercrescimento bacteriano;
- toma de antibióticos.
Esta é, portanto, uma condição temporária e reversível, que não exige a eliminação da lactose da dieta, mas sim o controlo do distúrbio que está a causar a deficiência de lactase e consequente má absorção da lactose.5 Geralmente, após esse controlo, a capacidade de digestão da lactose poderá ser aumentada ou totalmente reposta.3
Referências
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