A intolerância à lactose tem origem na incapacidade do organismo em decompor a lactose, principal açúcar presente nos derivados lácteos, encontrando-se também noutros produtos alimentares.1 Sendo uma grande molécula composta por duas moléculas menores – a glicose e a galactose – a lactose é, além das gorduras e das proteínas, um dos componentes sólidos do leite, sendo o único hidrato de carbono presente neste líquido.2
A incapacidade de digerir a lactose surge devido à deficiência ou inexistência de produção de lactase. Responsável pela degradação da lactose3, esta enzima está presente em células que revestem o nosso intestino delgado. No entanto, à medida que o ser humano cresce, tem tendência para perder a capacidade de produzir lactase, o que em muito contribui para a elevada percentagem de pessoas intolerantes à lactose um pouco por todo o mundo4 (estima-se que a frequência de persistência da lactase, ou seja, de pessoas que mantêm a sua capacidade total de digerir a lactose, seja de apenas 35% em todo o globo).5,6 Por outro lado, a não-persistência da lactase (NPL) “constitui uma característica (…) observada em indivíduos que não mantêm a expressão da lactase em idade adulta”. Por outras palavras, é a NPL que contribui para a generalidade dos sintomas da intolerância à lactose.6
Quanto tempo fica a lactose no organismo?
A permanência da lactose no organismo depende de quanto tempo este demora a digerir e/ou a eliminar este açúcar, o que está inteiramente relacionado com a quantidade de lactose ingerida. O mesmo acontece com a duração dos sintomas (no caso de quem é intolerante à lactose). Em geral, os sintomas de intolerância à lactose – dor ou desconforto abdominal, gases, náuseas, entre outros7 – começam entre 30 minutos e duas horas após o consumo de produtos contendo lactose.8,9,10 No entanto, a sua duração está dependente de vários fatores. Fatores extrínsecos incluem o volume de lactose ingerido (um copo de leite de vaca deverá produzir sintomas mais agudos do que o queijo ou outro produto que contenha menor teor de lactose7,10), ou facto de o alimento com lactose ter sido ou não ingerido em conjunto com outros alimentos.
Alguns fatores intrínsecos são a velocidade a que o sistema digestivo trabalha e faz chegar a lactose ao cólon, a quantidade de lactase presente no revestimento do intestino delgado – que pode fazer com que o mesmo produto provoque reações diferentes em organismos diferentes10 (por exemplo, a composição da flora intestinal, que difere de pessoa para pessoa, ou o facto de se ter feito recentemente uma cirurgia à zona abdominal são fatores que podem influenciar o processo de digestão)11. Os sintomas devem desaparecer por completo quando a lactose for eliminada do sistema, ou seja, num prazo de até 48 horas após a ingestão.12
Como é que a lactose é eliminada pelo organismo?
Uma vez que nem todos os produtos com lactose desencadeiam episódios de intolerância13, nem todas as pessoas têm as mesmas reações ao mesmo produto com lactose14. Deste modo, há organismos que mostram sintomas com a ingestão de um copo de leite, mas não com iogurtes ou queijos, que têm menor quantidade de lactose.15 Em quem não sofre de intolerância à lactose, este açúcar é geralmente processado como qualquer outro alimento, acabando por ser absorvido pelo corpo para a corrente sanguínea.16
Já para quem é intolerante a este açúcar, o processo é mais complexo, embora a ação principal comece sempre no intestino delgado – onde a lactase deveria transformar a lactose em glicose e galactose, substâncias absorvíveis pelo organismo.16 Nesse caso, a lactose acaba por não ser de todo absorvida ou sê-lo apenas parcialmente. Quando isso acontece, a lactose continua a percorrer o trato gastrointestinal até ao intestino grosso, onde as bactérias ali presentes degradam a lactose, através de um processo de fermentação, transformando-a em lactato, ácidos gordos de cadeia curta e gases (como gás de hidrogénio, dióxido de carbono e metano).13
É então aqui que surgem os sintomas – gases, inchaço abdominal, dor – associadas à intolerância à lactose. Os sintomas de mal-estar são causados pelo facto de serem as bactérias que normalmente habitam o nosso sistema digestivo que decompõem a lactose no intestino grosso e não a lactase (enzima), naturalmente presente no intestino delgado.
Qualquer vestígio de lactose que, ainda assim, não tenha sido digerida continua o seu caminho, atraindo moléculas de água que, em vez de serem absorvidas pela corrente sanguínea, seguem ao longo do intestino, tornando a matéria fecal mais húmida e levando à formação de fezes moles, ou seja, diarreia.16
Benefícios da lactose para o organismo
É importante realçar que a esmagadora maioria dos benefícios do leite comum (com lactose) podem também ser encontrados no leite sem lactose. Isto inclui nutrientes essenciais para o ser humano, como o cálcio ou a vitamina B12.17 Um olhar mais atento às tabelas nutricionais dos leites da marca Mimosa, UHT meio-gordo (com lactose) e Bem Especial meio-gordo (sem lactose), clarifica isso mesmo: ambos (250ml) contêm exatamente as mesmas percentagens dos nutrientes acima indicados: 38% e 20% da Dose de Referência, respetivamente.
No entanto, a lactose pode ser mais importante do que pensamos, principalmente para bebés e crianças em crescimento. Assim, a substituição da lactose por outros hidratos de carbono só é aconselhada no caso de reações de intolerância graves. Até mesmo nos adultos, em que há uma elevada prevalência de intolerância, sugere-se a ingestão, em menores quantidades, de produtos com lactose, justificada pelos efeitos benéficos deste açúcar na flora intestinal (excetuando em casos de intolerância severa).18
Referências
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