Durante os primeiros meses de vida, o leite é o único alimento da nossa dieta, pelo que a grande maioria dos bebés nasce com capacidade máxima para digerir a lactose. No entanto, a partir dos dois anos de idade, essa capacidade tende a diminuir. A partir daí, alguns indivíduos mantêm o seu nível de atividade de lactase, continuando a ter capacidade de digerir a lactose ao longo da vida, enquanto outros perdem essa faculdade, podendo manifestar algum grau de intolerância à lactose.1
Como explicámos neste artigo, é possível nascer-se intolerante à lactose. Porém, o défice congénito de lactase, que se manifesta até 10 dias após o nascimento, é um distúrbio gastrointestinal raro.2 Por outro lado, e apesar de não ser tão comum como nos adultos, as crianças podem manifestar intolerância à lactose. Este é um distúrbio que necessita de atenção, já que, nesse caso, o consumo de leite e derivados pode comprometer o ganho de peso, devido à diarreia causada pela lactose.3
Intolerância à lactose em crianças
Ao contrário da alergia ao leite de vaca, que, como referimos neste artigo, é uma reação imunológica mais frequente nas crianças do que nos adultos4, a intolerância à lactose é rara em crianças com menos de 2 anos.5
Na verdade, tal como referimos aqui, a prevalência da intolerância à lactose não é igual nos povos de todo o mundo. Esta é uma evidência que também se aplica às crianças: enquanto 20% das crianças hispânicas, asiáticas e negras com menos de 5 anos evidenciam défice primário de lactase, as crianças caucasianas, normalmente, não desenvolvem sintomas de intolerância à lactose até aos 4 ou 5 anos. A partir dessa idade, a intolerância à lactose passa a ser uma das causas comuns de dor de barriga nas crianças, embora os sintomas da intolerância costumem começar a manifestar-se apenas na adolescência e no início da idade adulta.6
Como sabemos, o défice primário de lactase é uma condição irrecuperável, ao contrário do défice secundário. Também nas crianças esta condição é provocada por outros distúrbios que, quando controlados, podem levar ao aumento ou retoma da capacidade para digerir a lactose.7 Nas crianças – principalmente oriundas de países em vias de desenvolvimento – uma das causas comuns para o défice secundário de lactase é a subnutrição.6
Cuidados a ter com a intolerância à lactose na infância
Tal como acontece com os adultos, em caso de suspeita de intolerância à lactose em crianças, deve ser seguida uma dieta restrita em lactose. Além dos laticínios, deve-se restringir o consumo de alimentos que possam conter lactose “escondida”, tais como os cereais de pequeno-almoço processados, os preparados para panquecas ou biscoitos, os bolos de pastelaria ou os doces. Geralmente, é suficiente eliminar a lactose durante duas semanas, começando-se, progressivamente, a reintroduzir os produtos lácteos, de forma a avaliar os sintomas causados pela sua ingestão.6
Este diagnóstico permitirá descobrir a quantidade de lactose que o organismo da criança consegue tolerar. Este é um dado fundamental, pois a eliminação completa da lactose em crianças – principalmente se estas não forem realmente intolerantes – é particularmente perigosa, já que o intestino deixará de ser estimulado a produzir lactase.8
Além disso, o leite e os laticínios são fontes ricas de cálcio, um mineral essencial à saúde óssea. Assim, eliminá-los por completo da alimentação das crianças pode comprometer o seu crescimento, estando documentado que as crianças que não consomem leite ingerem quantidades de cálcio inferiores à dose recomendada.6
Por fim, no caso das crianças, é necessária atenção redobrada à substituição do leite por alternativas vegetais, já que as suas propriedades nutricionais não são equivalentes ao leite de vaca. Deste modo, as propriedades deste tipo de alimentos não são suficientes para satisfazer as necessidades nutricionais desta faixa etária, não só no que diz respeito ao cálcio, como também à proteína e à vitamina D, o que pode interferir com o saudável crescimento das crianças.
Em casos de suspeita de intolerância à lactose, o mais indicado será consultar o médico ou qualquer profissional de saúde qualificado para posterior avaliação da situação.
Referências
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- Savilahti E, Launiala K, Kuitunen P. Congenital lactase deficiency. A clinical study on 16 patients. Archives of Disease in Childhood [Internet]. Abril de 1983 [citado 29 de Janeiro de 2021];58(4):246–52. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/6847226/
- Ruiz Jr. AR. Intolerância à lactose – Distúrbios digestivos [Internet]. Manual MSD Versão Saúde para a Família. 2019 [citado 29 de Janeiro de 2021]. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/dist%C3%BArbios-digestivos/m%C3%A1-absor%C3%A7%C3%A3o/intoler%C3%A2ncia-%C3%A0-lactose
- Craveiro C, editor. Conhecer o Leite [Internet]. Associação Portuguesa dos Nutricionistas; 2016 [citado 1 de Fevereiro de 2021]. (Coleção E-books APN). Disponível em: https://www.apn.org.pt/documentos/ebooks/Ebook_Conhecer_o_Leite_Final.pdf
- Falcão I, Mansilha HF. Alergia às Proteínas do Leite de Vaca e Intolerância à Lactose. Portuguese Journal of Pediatrics (former Acta Pediátrica Portuguesa) [Internet]. 28 de Março de 2017 [citado 29 de Janeiro de 2021];48(1):53–60. Disponível em: https://pjp.spp.pt//article/view/9507
- Heyman MB. Lactose intolerance in infants, children, and adolescents. Pediatrics [Internet]. Setembro de 2006 [citado 15 de Março de 2021];118(3):1279–86. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16951027/
- Primeras preguntas [Internet]. No Lactosa: Asociación de intolerantes a la lactosa España. [citado 29 de Janeiro de 2021]. Disponível em: https://lactosa.org/la-intolerancia/primeras-preguntas/
- Peligro de tomar leche SL cuando no eres intolerante [Internet]. No Lactosa: Asociación de intolerantes a la lactosa España. 2020 [citado 4 de Fevereiro de 2021]. Disponível em: https://lactosa.org/peligro-de-tomar-leche-sl-cuando-no-eres-intolerante/