À volta da intolerância

Como é que o queijo é produzido?

O queijo é daqueles alimentos que pode confundir quem desconfia que é intolerante à lactose ou quem acaba de ser diagnosticado com este problema. Isto porque é um produto lácteo em que algumas variedades dificilmente causarão sintomas a quem tem dificuldade em digerir a lactose. Assim, algumas pessoas poderão achar impossível serem intolerantes à lactose, quando só alguns produtos lácteos – entre os quais o queijo pode não se incluir – lhes causam sintomas gastrointestinais.1

Deste modo, perceber como é que o queijo é produzido é fundamental para compreender o porquê de uma parte da grande diversidade de tipos de queijo serem laticínios com um teor em lactose muito baixo.

Leite: a matéria-prima do queijo

Estima-se que, no mundo inteiro, existam entre 400 a 1200 tipos de queijo, classificados, sobretudo, de acordo com cinco critérios2:

  • o uso de leite cru ou pasteurizado na sua produção;
  • a textura (queijo de pasta mole, semidura ou dura);
  • o tipo de coagulação, como de seguida explicaremos;
  • o nível de cura (queijos frescos vs. queijos curados);
  • o tipo de fabrico.

Assim, embora possam apresentar diferentes cores, texturas e sabores, há algo que é comum a todos os tipos de queijo: os princípios químicos, bioquímicos e microbiológicos que a sua produção envolve e a sua matéria-prima, ou seja, o leite.3

Assim, para se compreender como é que o queijo é produzido, é importante, antes, perceber como é que o leite é constituído, pois cada um dos seus componentes tem um papel ativo na produção deste tão apreciado alimento3:

  • água: é o componente mais abundante no leite, representando 85% da sua composição. É nela que estão dispersos os restantes elementos compositivos, sendo que, para a produção do queijo, é essencial que os componentes sólidos se separem da água;
  • lactose: é o açúcar natural do leite (um dissacarídeo), que representa 5% da composição deste líquido;
  • gordura: é um elemento fundamental para determinar o sabor e a textura do queijo, uma vez que 90% da gordura presente no leite ficará concentrada no produto final;
  • proteínas: no leite, existem dois tipos de proteínas – as caseínas representam 80% da quantidade total de proteínas presentes no leite, dizendo os restantes 20% respeito às proteínas whey;
  • sais: existem no leite sob as formas orgânica e inorgânica, sendo os iões de cálcio e de fosfato os mais importantes para o fabrico do queijo.

Como é que o leite se transforma em queijo?

O queijo é, então, um produto da fermentação do leite, cujo princípio de produção básico é  a concentração dos componentes sólidos do leite, de modo a formar um produto final semi-sólido, cujo teor de proteína é cerca de 6 a 7 vezes mais elevado que o do leite.

Para que esta transformação ocorra, é necessário que se dê a coagulação, isto é, uma primeira etapa em que as caseínas e a gordura do leite (bem como, em menor quantidade, alguns dos seus sais) se separam da água, formando o coalho. Para que isto aconteça, podem ser usados três métodos, que resultarão em diferentes tipos de queijo.3

Queijos frescos: coagulação ácida ou térmica

Estes dois tipos de coagulação levam à produção de queijos frescos – ou seja, queijos que são imediatamente consumidos após a produção – e são muito mais simples do que o método de coagulação necessário para a produção de queijos curados. Esta dá-se pela fermentação da lactose e posterior acidificação ou acidificação parcial e aquecimento. Quando a coagulação termina, basta drenar o soro até que o queijo atinja a consistência desejada.3

Queijos curados: coagulação com coalho

Ao contrário dos queijos frescos, os queijos curados necessitam de passar por um processo de amadurecimento, que pode durar dias, meses ou mesmo anos, até que o queijo fique pronto para consumir. Para que este tipo de queijos sejam produzidos, é necessário passar por oito etapas3:

  1. Fixação: é a fase em que as culturas de bactérias são adicionadas ao leite, de modo a transformarem a lactose em ácido láctico, por via da fermentação. É a primeira, mas, ao mesmo tempo, a fase mais determinante para o resultado final, uma vez que é aqui que o produtor tem de garantir que a quantidade de soro retirado do coalho é a correta, que a taxa de acidificação e desmineralização é compatível com o teor de humidade e o pH desejados e que o sal é incorporado na medida certa. Qualquer alteração, por mais pequena que seja, nesta fase, poderá ter um grande impacto no produto final.
  2. Corte: consiste em separar o coalho do soro;
  3. Cozedura: é a aplicação de calor à mistura do coalho e soro remanescente, após o corte;
  4. Drenagem: consiste em retirar o soro que permanece à volta das partículas de coalho, permitindo que estas se juntem mais facilmente, para formar o queijo;
  5. União: trata-se da fusão entre partículas que levará à formação de uma massa homogénea;
  6. Prensagem: é a aplicação de pressão externa à massa que anteriormente se formou, de modo a conferir ao queijo a sua consistência e formato finais;
  7. Salga: consiste na adição de sal ao queijo, contribuindo para expulsar o excesso de humidade presente. Esta pode ser feita através de várias técnicas (adição de sal seco ou de uma solução de água e sal à superfície ou ainda pela mistura do sal no coalho, antes da prensagem). Cada uma destas técnicas resultará em diferentes distribuições de sal pelo queijo (mais ou menos uniformes).
  8. Acabamento: trata-se do processo de amadurecimento do queijo, que pode ocorrer de forma mais rápida ou mais lenta, de acordo com o tipo que se quer produzir. Para tal, é necessário que se reúna um conjunto de condições ideais, nomeadamente ao nível da temperatura, da humidade, do ambiente físico e até da presença de culturas microscópicas no local. Além disso, durante o tempo de maturação, alguns tipos de queijo exigem etapas de manuseamento, tais como lavar, raspar, esfregar ou virar.

O queijo tem lactose?

Como acima referimos, a primeira fase da transformação do leite em queijo envolve a transformação da lactose em ácido láctico, através da fermentação levada a cabo pelas culturas vivas de bactérias ali presentes. Assim, apenas uma pequena parte da lactose presente no leite permanece no queijo (cerca de 5%). No entanto, a decomposição da lactose pode não se ficar por aqui: dependendo do tempo de maturação pelo qual o queijo passará, essa quantidade de lactose remanescente poderá continuar a ser decomposta.3 

Deste modo, a maioria dos queijos curados e semi-curados são, naturalmente, queijos sem lactose.4 Pelo contrário, os queijos frescos são, geralmente, produtos em que o teor de lactose é mais elevado.5
Para ajudar quem é intolerante à lactose a escolher queijos menos propensos à manifestação de sintomas gastrointestinais, preparámos este guia.

Referências:

  1. Sans O. Adinew01. La importancia del diagnóstico. [Internet]. Lactosa. 2022 [citado 6 de abril de 2022]. Disponível em: https://lactosa.org/la-importancia-del-diagnostico/
  2. Owusu-Apenten R, Vieira E. Dairy Products. Em: Owusu-Apenten R, Vieira ER, editores. Elementary Food Science [Internet]. Cham: Springer International Publishing; 2023 [citado 26 de julho de 2022]. p. 399–431. (Food Science Text Series). Disponível em: https://doi.org/10.1007/978-3-030-65433-7_18
  3. Kindstedt PS. The Basics of Cheesemaking. Microbiology Spectrum [Internet]. 31 de outubro de 2013 [citado 3 de dezembro de 2021];1(1):1.1.07. Disponível em: https://journals.asm.org/doi/10.1128/microbiolspec.CM-0002-2012
  4.  Tuure T, Korpela R. Lactose intolerance and low-lactose dairy products. Handbook of functional dairy products [Internet]. 2004 [citado 3 de Fevereiro de 2021];71–90. Disponível em: https://www.cabdirect.org/cabdirect/abstract/20053034540
  5. Associação Portuguesa de Nutrição. Queijos, dos frescos aos curados [Internet]. Porto: Associação Portuguesa de Nutrição; 2018 [citado 4 de fevereiro de 2021]. (Coleção E-Books APN). Disponível em: https://www.apn.org.pt/documentos/ebooks/e-book_queijo_8.pdf