A fase mais consciente da minha restrição alimentar coincidiu com a pandemia, o que me permitiu fazer muitas experiências alimentares individualmente, sem a presença de terceiros e fora de ambientes públicos que pudessem causar constrangimentos na descoberta dos produtos que me provocam sintomas.
Após a fase mais restritiva da pandemia, tive de adaptar estes novos hábitos alimentares à vida social normal e contornar todos os obstáculos, sem que a minha intolerância alimentar fosse um impedimento a qualquer convívio.
Intolerância à lactose: o que mudou no meu dia a dia?
Casamentos
Para produtores regulares de lactase, ser convidado para um casamento acarreta uma quantidade substancial de responsabilidades: adequar a roupa à previsão da meteorologia, escolher joias, maquilhagem, penteado e tentar que as escolhas dos diversos âmbitos combinem entre si. Em relação às refeições, as pessoas “normais” têm como única preocupação a elasticidade do tecido do outfit, para que lhes permita respirar e comer tudo o que lhes apetecer durante a boda.
Para os demais, com défice de enzima necessária para usufruir em pleno das valências de um evento matrimonial, existe também a preocupação de garantir uma boda livre de sintomas de intolerância à lactose. Assim, atribuem total responsabilidade da sua restrição alimentar durante o dia mais importante da vida dos noivos aos mesmos, como se estes não tivessem coisas suficientes para organizar.
Infelizmente, mesmo quando o casal de pombinhos apaixonados nos garante que tudo será confecionado sem qualquer tipo de contaminação de leite e derivados, o intolerante passará toda a cerimónia a achar que a qualquer momento será “envenenado” com lactose e que a festa para ele acabará nesse preciso momento.
Festivais de música
Frequentadora de festivais enquanto produtora de lactase, tinha como única preocupação levar comigo dinheiro suficiente para comida e bebida dentro do recinto.
Sendo “mais vale prevenir do que remediar” um dos provérbios mais utilizados no quotidiano de um intolerante à lactose, é expectável que a preparação para um festival de música exija muito mais do que decorar a letra das principais músicas dos artistas preferidos e a escolha do outfit. É também necessário preparar toda a logística alimentar (compras, confeção e acondicionamento sem ser apanhada), porque não saberemos se localmente haverá opções aptas para intolerantes à lactose.
Date night
Pessoalmente, não é de todo uma área de sucesso, tornando-se ainda mais desafiadora após experienciar os primeiros sintomas de intolerância à lactose. Um simples convite para um gelado, jantar ou até para ir ao cinema pode causar danos irreversíveis numa relação que ainda nem sequer começou.
Considero que o sucesso do encontro depende da nossa abordagem: informar a outra parte de que temos uma restrição alimentar ou simplesmente omitir a sua existência. Optando por qualquer uma das opções, caso não consigamos contribuir para a escolha do local, poderá acontecer que as consequências (sintomas) surjam e que tenhamos de sair à pressa para o wc ou para casa, o que poderá ser facilmente associado, pela outra parte, como uma desculpa para terminar um encontro, aniquilando futuras possibilidades.
Compra de medicamentos
Todos nós, pelo menos uma vez na vida, já pedimos à colega de trabalho que vai à farmácia à hora de almoço, um medicamento para aliviar a alergia rebelde ao pólen, sem dar qualquer indicação da marca do medicamento pretendido.
Um gesto espetacular que nos poupa tempo se o medicamento trazido ao acaso não incluir lactose na sua composição, pois, para os intolerantes mais sensíveis, a pequena porção de lactose presente em alguns medicamentos poderá trazer consequências.
Festas de aniversário / convívios
Ah, o convívio com pessoas sem restrições alimentares… O maior inferno para qualquer intolerante à lactose!
A resposta mais frequente a um convite para festa de aniversário ou jantar de amigos, antes da intolerância à lactose: “Conta comigo!”
Durante a intolerância à lactose: “a escrever …” (apaga a mensagem) “a escrever…”
O sucesso da presença de um intolerante à lactose num convívio depende de fatores como o grau de confiança com os envolvidos para interceder de forma a que haja comida sem lactose; não havendo comida sem lactose, tentar perceber se será socialmente aceite levar a sua própria marmita sem lactose; e o nível de fome com que chega ao convívio.
E vocês? Que situações deixaram de ser “normais” depois da intolerância à lactose?
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